Na grécia arcaica, a cultura, o conjunto de conhecimento adquiridos no decorrer da experiência coletiva, eram transmitidos de uma geração à outra por duas vias que são distintas, mas que se complementam.
A primeira era a da instrução.
É por essa via especialmente que o grego transmite aquilo que receberá o nome de técnica ou arte. Esse tipo de conhecimento se constitui de um conjunto de juízos mais ou menos universais sobre um determinado objeto, certas máximas sobre algo que podem por sua vez dirigir a atividade objetiva ou subjetiva para a reprodução desse objeto, no caso da atividade objetiva, agindo no mundo ou produzindo certas realidades com uma certa semelhança, no caso da atividade subjetiva, recriando no mundo interior realidade do mundo exterior (conhecimento), ou produzindo certos estado de espírito específicos.
Podemos destacar as regras de ofício que eram ensinado pelos médicos aos seus discípulos, as regras de pureza ritual, as regras religiosas a respeito de como prestar culto, louvor a sacrifícios aos deuses, as regras morais sobre o que se deve ou não fazer etc. O outro modo de transmissão era a formação.
A formação depende de um modelo de homem que cada homem deve buscar se tornar. Portanto, a formação se funda em uma noção prévia do belo, do ideal que deve ser desejado e por isso aprovado. Por isso, a formação é o modo de transmissão da cultura que predomina no modelo aristocrático de sociedade, e o que predominava na grécia arcaica, além de ser encontrado em cores fortes nos textos homéricos.
O aristocrata é aquele que encarna o espírito de seu povo e de sua cultura. Na grécia arcaica, ele recebe essa cultura por meio da formação em que é apresentado a este quando menino sendo formado um modelo de homem que este deve desejar ser que acima de tudo é manifestado por meio dos feitos dos homens que servem de modelo. Por isso, a formação depende da ação de homens cujo caráter o menino pode e deve desejar imitar e assimilar ao seu próprio caráter.
Desse modo, só se reconhece que o menino aprendeu quando este é capaz de agir como agem os homens que se enquadram no modelo de homem aristocrata, e só se sabe que um homem serve de modelo para os outros se suas ações tornam concreto o modelo belo, desejável, do homem aristocrata.
Por isso, o homem precisa ter capacidade de ação, mas uma ação bela, que possa a ser desejada pelos seus pares nobres, e por isso servindo de modelo para aqueles que querem se tornar parte do mundo dos grandes nobres, os meninos em formação. Essa potência de agir de modo belo é o que ficará conhecido como virtude, ou melhor, arete.
É daí que vem o termo aristocrata, que é o que exerce o poder por meio de sua capacidade de agir de modo reconhecidamente bela pelos seus iguais. Quem age de modo não belo, age sem virtude, e é desaprovado pelo povo e pelos outros nobres.
Essa desaprovação significa perder aquilo que é fundamento da identidade do nobre grego e que o torna respeitado entre os seus. O contrário é o louvor e aprovação que é o meio pelo qual o nobre tem suas ações tornadas públicas e reconhecida por todos que partilhas daquele ideal de homem como belas e desejáveis, de modo que ele pode ser respeitado pelo povo e pelos seus pares aristocratas.
Essa ênfase na ação não exclui a técnica. As regras gerais que norteiam a ação existem, ainda que esta não esteja no modo aristocrático de transmissão de cultura como elemento dominante. É factual que os aristocráticos tem suas regras e preceitos sobre como se deve fazer as coisas, o que também delimita a ação e o modelo por meio do discurso.
Discurso e ação não são excludentes e ainda que em vários pontos a ação predomine, em outros o discurso tem um papel fundamental. O herói não só tem que saber fazer como também expor e defender seus feitos e sua glória diante de seus iguais. Não é atoa que se torna lugar comum a expressão em “atos e palavras” na antiguidade grega.
Lido em 21.06.2019