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A educação clássica é a opressão da ignorância

Quis miles sine certamine coronabitur? Quis agrícola sine labore abundat panibus? Nonne vetus proverbium, radices litterarum esse amaras, fructus autem dulces? Igitur et noster orator in Epistula ad Hebreos idem probat. Omnis quidem disciplina in praesenti non videtur esse gaudii sed moeroris; postea vero pacatissimum fructum exercitatis in ea affert iustitiae.
 (Alcuinus, De Grammatica)*

A língua sempre ocupou o lugar supremo da educação. Sendo as sociedades letradas ou não, sempre é importante ensinar os mais jovens a falar – para que possam conhecer os costumes e melhor agirem – e a conhecer as realidades materiais – para melhores coisas fazerem. É com a língua que nos é possível a transcendência, nos é possível ser não só animal, mas também animal racional.

Hoje, a poesia, a música e muitas outras artes parecem estar só nos âmbitos do entretenimento, no máximo como um diletantismo, mas é por existir uma tradição educacional, que depois chamaremos de clássica, que o homem foi capaz de libertar-se da opressão de sua própria ignorância, ganhando assim autonomia não só do espírito, mas também do corpo através do domínio cada vez maior sobre a matéria. Sem a linguagem, que por questões práticas deve revestir-se de música e verso para melhor proveito da memória, não seria possível que o homem fizesse coisa alguma e seria sim necessário, a cada nova geração, descobrirmos uma vez mais como fazer fogo.

A educação dita clássica é a verdadeira educação para a liberdade, pois oprime dolorosamente a ignorância e habilita os alunos à participação ativa na sociedade. Falar da educação clássica é falar da educação de sempre, da educação que não só, simplesmente, vê e imita tudo aquilo que vem dando certo nos últimos três mil anos, mas também que olha para o que não deu certo e que por isso deve ser repudiado. Pronto! Nada além disso! Mas há de se reconhecer que é algo muito duro. Primeiro, porque três mil anos de cultura, desde Homero e Moisés até os nossos dias, são inabarcáveis por uma pessoa só. Segundo, porque se não houver uma profunda mudança para melhor na personalidade dos alunos e dos professores, a educação clássica é só um passatempo um pouquinho mais erudito do que fazer palavras cruzadas. Terceiro, porque há no mercado formas muito mais fáceis e menos dolorosas de se cumprir a exigência de estudar, afinal, todos temos de estudar em certa época da vida, e não importa o quê.

E por que devemos estudar? Precisamos da educação para podermos trabalhar e trabalhar bem, pois é aí, no trabalho, que tiraremos a prova real da eficácia dos métodos empregados na formação clássica. É no trabalho que empenhamos os anos da vida em que maturidade e gravidade de caráter se servem da força física e da esperança próprias da juventude para mexermos na natureza das coisas. Mesmo que, por uma visão macrocósmica, o homem só seja capaz de ser aquele pardal tentando apagar o fogo de uma casa com o pouco de água que consegue carregar no bico.

Mas a visão microcósmica, a visão dos grandes homens de ciências, de letras ou de artes, que é o objeto principal da educação clássica, a educação que forma os homens de dentro para fora e permite que aquele que olha para dentro, ao emergir desse mergulho da alma, enxergue o quão importante é moldar e mudar a si mesmo. O trabalho é a oportunidade que temos para mudarmos a nós mesmos. 

Há uma cultura que deve ser comum a todos os homens livres. Dizendo de outro modo, há uma cultura – um cultivo da alma – que torna os homens livres. Essa liberdade, que passam a possuir todos aqueles que verdadeiramente cultivam a alma, é um grande valor, ou melhor, uma grande virtude que nunca saiu de moda, a diferença é que em cada período histórico o vocábulo liberdade foi aplicado a realidades materialmente distintas. Do tirano ao povo, do senhor ao escravo, dos íncolas aos imigrantes, todos encheram a boca para falar de liberdade. 

Nem só de latim vive o homem, alguns frequentemente me dizem, e é verdade, mas é o latim o instrumento da liberdade e da autonomia. Foi assim durante séculos e é cedo demais para afirmarmos que deixou de ser o caminho mais seguro.  Mesmo que depois de termos oprimido nossa ignorância pelas longas horas de exercícios de morfologia, sintaxe e estilo nunca peguemos num livro latino, teremos infinitamente mais facilidade para o aprendizado de outras línguas que venham a ser diretamente mais úteis, teremos aprendido a estudar e a aprender, teremos sofrido sob a palmatória da gramática e nos tornado autônomos e livres para seguir qualquer caminho dentro da sociedade, independentemente da classe social, raça, nacionalidade ou credo; pertenceremos à república das letras e teremos o direito e o dever de participar da verdadeira democracia, aquela que ouve a odos, até os mortos; participaremos da Tradição.

Enfim, a educação clássica é a pedagogia do oprimido pela ignorância que busca a autonomia para que, por suas próprias pernas, possa buscar o que é bom, belo e verdadeiro.; possa trabalhar, contemplar a realidade e ter cada vez mais certeza de que está no caminho certo, caminho sem fim, mas certo. E quando esse oprimido se sentir inseguro ao lutar bravamente contra a ignorância, pela sua libertação, terá a certeza de que não está sozinho; alguém antes dele deve ter deixado uma canção sobre como fazer fogo.

* Qual soldado será coroado sem uma batalha? Qual agricultor terá pão em abundância se não trabalhar? Não diz o velho ditado as raízes das letras serem amargas, mas os frutos doces? Assim sendo, também nosso orador (São Paulo) comprova o mesmo na epístola aos hebreus. Pois ‘nenhuma correção é vista como alegria no presente, mas como sofrimento; no futuro, por sua vez, ela traz um fruto de paz pelo exercício da justiça.”‘ (Alcuíno de Iorque, Sobre a Arte Gramática)

 

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