You are currently viewing Exercício de leitura com a Vulgata

Exercício de leitura com a Vulgata

O Evangelho de São João pode ser lido em latim, com certa facilidade, por falantes da língua portuguesa que sejam bons leitores, pois as palavras não fogem muito do costume de quem dedica tempo à literatura; no entanto, considerar-se capaz de “entender a língua latina” por compreender parte de um texto da Vulgata também não nos convém. Mas, sob a composição do texto original, podemos aprender um pouco mais da língua latina. Lembremos também que falar da escrita do Evangelho não é o mesmo que falar de outros textos latinos mais complexos e de estilos mais comuns, embora seja um bom exemplo didático. Nas próximas linhas, como lição didática e recomendação de exercício, tomaremos um trecho do Evangelho para uma tentativa de compreender a composição das frases:

In principio erat Verbum, et Verbum erat apud Deum, et Deus erat Verbum. Hoc erat in principio apud Deum. Omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil, quod factum est; in ipso vita erat, et vita erat lux hominum, et lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non comprehenderunt. Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Ioannes;

Comecemos por diferenciar alguns elementos: na primeira oração “in principio erat Verbum” temos a preposição “in”, semelhante ao nosso “em” e quando usada, a “praepositio”, dizemos que “principio” é uma palavra preposicionada – por ‘in’ -, compondo o sentido do tempo em que se situa a oração. Lembrando que as preposições são essas que nos ajudam significar localização, modo, movimento, entre outras possibilidades (em, para, com, até, por, a, etc). Destaca-se também que “in principio”, e no que é traduzido “no princípio”, têm a função de adjunto adverbial, ou seja, assim como um advérbio, modificam o verbo. É certo que já poderíamos considerar a sua função de adjunto adverbial apenas reconhecendo a preposição “in”, pois dizemos “no princípio” e já nos é suficiente, mas em latim ainda teremos a flexão de caso; por isso, dizemos “principio” e não “principium”. “Verbum” é o próprio sujeito da frase, sabemos que não tem somente o sentido de palavra, de qualquer palavra solta, mas sim de algo muito maior. Na frase, é colocada no caso nominativo, “verbum”, portanto, vocábulo neutro, no singular, caso nominativo (ligado ao sujeito da frase). “erat” varia de “est” em tempo, assim como “era”, nosso imperfeito, e “é” nosso presente, na terceira pessoa “ele/aquele é”, “is/ille est” – imperfeito “ele era”, em português, “is erat” em latim.

Depois em “et Verbum erat apud Deum”, a conexão entre as orações se dá por “et”, conjunção, assim como “e” da nossa língua. “Verbum” continua no mesmo caso – nominativo – em que estava na oração anterior,o que facilmente se percebe. Mas agora temos uma preposição nova “apud”, é como “com” ou “juntamente com”, dando um sentido de maior proximidade e esta preposição rege o caso acusativo, por isso temos “Deum”, no acusativo, e não “Deus”, nominativo”.

“et Deus erat Verbum” – nesta oração dizemos “Deus” e “Verbum”, ambos os vocábulos no caso “nominativo”, pois o verbo ser/estar, no pretérito imperfeito, “erat” apenas liga dois nomes sem indicar um outro objeto, por isso o chamamos verbo de ligação. Ora, se “o Verbo era Deus”, não se deve flexionar “Verbum” ou “Deus”, um é modificado pelo outro, o sujeito pelo seu predicativo.

“Omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil, quod factum est” aqui as duas primeiras orações usam as preposições “per” e “sine”, “por” e “sem”. Em “per ipsum” e “sine ipso” temos o vocábulo “ipse”, que significa “próprio”, primeiro flexionado no acusativo (ipsum) e depois no ablativo (ipso), conforme a regência de “per” e “sine”. “nihil” é o mesmo que “nada”, “omnia” flexiona em gênero, número e caso (neutro, plural, acusativo), traduz-se como “todos” ou “todas”, é acusativo assim como na língua portuguesa seria objeto direto em “todas as coisas foram feitas por Ele mesmo”. “facta sunt” é o verbo na voz passiva e no tempo imperfeito, assim como erat, lembrando que erat é voz ativa. “facta” vem do que chamamos supino “factum”, “feito”, mas, para ser usada como voz passiva, a palavra precisa vir acompanhada do verbo de ligação, neste caso “sunt”. “facta” é flexionada do mesmo modo que “omnia”, aqui se dá a concordância. O verbo de ligação “sunt” será apenas flexionado em número, “são”. Sabendo como isso funciona, podemos deduzir diretamente que “factum est” é o mesmo, mas no singular, concordando com “nihil” e depois “quod”.

Se compreendemos bem o que já foi explicado sobre as primeiras frases, podemos ler a continuação toda, conhecendo o significado das palavras, o que é simples aos falantes de português, como já dito, depois conhecendo as flexões dos nomes e dos verbos. Por fim, fiquemos com algumas informações básicas e o desafio de tradução ou leitura de “in ipso vita erat, et vita erat lux hominum, et lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non comprehenderunt. Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Ioannes”.

vita (vida): feminino, singular, nominativo;
lux (luz): feminino, singular, nominativo;
tenebris, de tenebrae (escuridão): feminino, plural, ablativo;
lucet (brilha, de luzir, tornar claro): voz ativa, terceira pessoa do singular, tempo presente;
tenebrae: feminino, plural, nominativo;
comprehenderunt (compreenderam): voz ativa, terceira pessoa do plural, pretérito perfeito;
Fuit (foi): voz ativa, terceira pessoa do singular, pretérito perfeito;
homo: masculino, singular, nominativo;
missus (enviado): masculino, singular, nominativo;
a (sentido de “por”, “enviado por Deus”):
cui (a quem): pronome relativo, masculino, singular, dativo;
nomen: neutro, singular, nominativo;
Ioannes: masculino, singular, nominativo.

Deixe um comentário