Um dos primeiros passos para o estudo da língua latina é saber formular perguntas em situações diferentes: sobre como, quando, onde ou por que alguma coisa acontece. Do mesmo modo, precisamos disso já no início do aprendizado de qualquer outra língua. No caso da língua inglesa, por exemplo, conhecemos, nas primeiras lições, “why” e o famoso “because”. É fácil reconhecer a importância dessas perguntas. Em latim, de início, temos quase a mesma facilidade que notamos na língua inglesa, basta usar “cur” para perguntar e “quia” para responder. E o ‘quod’?
Para responder é necessário descrever melhor o uso dessas conjunções; nesse intuito, tomemos os exemplos e caminhos sugeridos pelo material didático, o Familia Romana: no livro, ‘quia’ e ‘quod’ já são ensinadas no capítulo 3, que é etapa inicial, num livro de 35 capítulos. Tomemos o exemplo:
Aemilia Quintum interrogat: “Cur Iulia plorat?”.
Quintus respondet: “Iulia plorat, quia Marcus eam pulsat”.
Aemilia interroga o seu filho Quintus, perguntando por que Iulia, sua irmãzinha, chora. Depois, Quintus responde dizendo que ela chora, porque Marcus, o outro irmão, a agrediu.
Aqui, pelo fato do texto ter uma organização e didática impecáveis, sequer precisaríamos apontar o significado de cada uma das palavras, pois tudo está claro: sabemos qual é a pergunta, a resposta, do que se trata a conversa, dentre muitos elementos que percebemos com um esforço mínimo de atenção nessas frases simples. Até aqui, é realmente tudo muito simples, pois o livro fará ainda um longo itinerário até que apareça um segundo vocábulo com mesmo significado: ‘quod’.
Mas a primeira aparição de ‘quod’ está no capítulo 4 e, na verdade, é um homônimo, com função morfológica diferente de conjunção. A função desse ‘quod’ é de pronome relativo. Junto dele, aparecem os exemplos dos pronomes relativos para os nomes masculinos e femininos, cabendo ao ‘quod’ o gênero neutro: “puer qui”, “puella quae” e “baculum quod”. A frase na qual se encontra é “Medus baculum, quod in mensa est, videt”; aqui, ‘baculum’ (bastão), mesmo que seja usada no acusativo, é nominativo na frase subordinada e permite que o pronome ‘quod’ seja ensinado do modo mais simples. Então, conhecemos primeiro a função de pronome e, se não a tivermos entendido bem, confundiremos com o homônimo que tem a segunda função apresentada pelo material didático, que é de conjunção. É justamente no capítulo 10, que leremos: “Homines ambulare possunt, quod pedes habent, neque volare possunt, quod alas non habent”. “Os homens podem caminhar, porque têm pés, mas não podem voar, porque não têm asas”. A situação em que aparece ainda não apresenta diferença alguma com relação a “quia”, pois, se escrevêssemos as mesmas frases usando “quia”, o sentido seria o mesmo; no entanto, já aparece uma diferença sutil. No primeiro exemplo, com “quia”, a resposta é dada de um modo muito mais simples, e não se insere em uma frase de sintaxe muito complicada, o que sinaliza uma escrita comum. Os alunos notam, então, que, depois de aprendida esta lição – de que “quod” é o mesmo que “quia” – o livro segue usando “quod” para quase todas as orações explicativas semelhantes que aparecem. E, nesse ponto, trata-se da mesma conjunção para a mesma aplicação.
A primeira grande diferença que notaremos ao longo dos nossos estudos é que “quod” é realmente mais frequente do que ‘quia’. O método talvez o use com maior frequência por dois motivos principais: um deles porque os autores clássicos fazem uso frequente dessa conjunção; o segundo é que precisamos diferenciar a preposição ‘quod’ (neutra e singular) da conjunção em diversos casos.
Como sabemos, as lições vão crescendo em complexidade. Quanto mais os alunos avançam, mais aprendem frases com a sintaxe complicada, com verbos em outros tempos e modos; aos poucos, aparecem as outras diferenças importantes entre “quia” e “quod”. Então, depois de conhecermos os verbos no modo conjuntivo (subjuntivo), outras conjunções importantes serão mostradas, como ‘ut’, ‘cum’, ‘quoniam’ e com elas algumas diferenças. Quanto mais as situações se tornam complexas, mais vemos as orações explicativas e causais escritas de outros modos, assim como conheceremos as declarativas.
‘Quod’ declarativo:
O ‘quod’ declarativo não pode ser confundido com o causal que acabamos de ver. O primeiro exemplo que aparece no Familia Romana está no capítulo 11: “Aemilia gaudet quod filius vivit”. A frase diz que Aemilia alegra-se pelo fato do filho estar vivo, ainda que o menino tivesse caído no chão, depois de tentar escalar uma árvore. Diferenciamos a oração declarativa pelo verbo principal, como em “Aemilia gaudet”, “alegra-se”, que são seguidos sempre do motivo do pensamento, intenção, sentimento, ou até o motivo de um elogio, admiração, repressão. Vemos também em “Prudenter facis quod agros ipse non colis”. A frase aparece no capítulo 30, e o que justifica o ‘quod’ declarativo é o próprio advérbio usado ‘prudenter’: “Ages com prudência, [digo isto] porque tu mesmo não cultivas os campos.
Notemos que a segunda oração “quod agros ipse non colis” não descreve a causa da prudência, mas, sim, o porquê da afirmação do personagem. Inicialmente, talvez não notemos com clareza a diferença dessas orações, mas se exercitarmos com a leitura de bons exemplos, conseguiremos distinguir isso com maior segurança. Também deve ser dito: é muito difícil de vermos uma oração declarativa com “quia”, só é frequente no latim dos medievais. Portanto, é mais correto usar a conjunção ‘quod’, se buscamos a escrita clássica que o autor do Lingua Latina coloca em evidência.
Dada a distinção entre os mais simples ‘quia’ e ‘quod’ causais, usados com os verbos no indicativo, e o ‘quod’ declarativo, vejamos o último tipo:
‘Quod’ causal com verbos no modo conjuntivo (subjuntivo):
Para compreender este último uso da conjunção, temos de conhecer e saber usar bem outras duas “ut” e “cum”, porque é o melhor modo de compreender o uso do subjuntivo nesse caso. No entanto, não precisamos nos fixar nessas outras duas conjunções agora. Tomemos um primeiro exemplo, que aparece apenas no capítulo 36, da série língua latina, no livro Roma Aeterna: “
“Tum vero cuncti Troiani novo pavore perturbantur, et ’Laocoontem poenas meritas Minervae dedisse’ dicunt ‘quod hasta scelerata sacrum robur laeserit’”
O texto refere-se à morte de Laocoonte, que acontece na narrativa da tomada de Tróia, quando Minerva lhe envia duas cobras que o matam depois de ter arremessado uma lança no flanco do cavalo de madeira, que seria um presente sagrado oferecido pelos gregos. Na frase, o autor narra as ações dos troianos e, dentre elas, o que estavam dizendo: “Mas depois os troianos perturbaram-se por um novo pavor e disseram ‘Laocoonte teve as merecidas penas dadas por Minerva, porque com a lança cruel teria atingido a madeira sagrada’”. Em português, é mais difícil lembrar a principal diferença que temos aqui, da qual se encarrega o verbo “laeserit”, de “laedo” (acerto, danifico). Esse verbo é usado no tempo perfeito do modo subjuntivo e, por isso, não indica diretamente o fato, mas, nesse caso, o que os troianos pensaram. O autor usa desse recurso justamente porque se tratava de um pensamento falho dos troianos; pois, não foi esse o motivo pelo qual as duas cobras assassinaram Laocoonte e seus filhos. Então, o verbo está de acordo com o fato de não ser uma afirmação acertada, mas sim uma tomada de posição a partir daquela possibilidade. Esse tipo de oração é comum que seja escrito com a conjunção ‘quod’, embora também possamos ver escrita com ‘quia’.
Agora sabemos que ‘quod’ e ‘quia’ tem basicamente a mesma função como conjunções, mas se aplicam em situações diferentes ou são mais comuns em momentos diferentes. Isso tudo é realmente complexo para os mais iniciantes, mas é importante aos que pretendem ler e escrever em latim, que tomem consciência dessas sutilezas, de um modo geral, desde o início dos estudos, porque não estamos apenas diferenciando estilos, mas também desfazendo possíveis confusões na leitura e na escrita. Por fim, ressaltamos a importância da leitura atenta dos textos com os diferentes exemplos e dos exercícios do Familia Romana: são o melhor caminho para perceber essas situações e compreendê-las verdadeiramente.