Com a internet recheada de opiniões difusas sobre aquisição de cultura e formação intelectual, é de se esperar uma leva de estudantes confusos quanto às próprias práticas de estudo. Não raro, tomados por escrúpulos de todo o tipo, veem-se desanimados e inseguros para dar o próximo passo na busca pela auto formação. Antes, porém, de deixar aqui alguma teoria mirabolante e exaustivamente submetida à prova, darei a sugestão de um simples exercício ao estudante que se veja um tanto perdido ou desanimado em sua jornada, para que reabilite o ânimo e descanse da exaustão causada por esse tipo de caos. Que exercício? Memorizar alguma história, lenda ou mito grego. Certo, por que diabos alguém deve fazer isso? Vejamos.
De cara, a resposta: porque é um exercício saudável e divertido, que possui um objetivo simples: lembrar-se do que foi lido. Nosso intelecto precisa de treino. Seguindo a analogia entre a máquina e a mente, muito utilizada pelo Pe. Sertillanges quando fala sobre inteligência, lembro a todos que as máquinas precisam de calibração. É bom que recebam manutenção e sejam calibradas de tempos em tempos. De modo análogo, devemos “calibrar” o intelecto. Na máquina, quando uma esteira começa a falhar, pode ser que lhe falte firmeza nos parafusos ou que a velocidade esteja desregulada. Na mente, se nosso ritmo e atenção não andam bem ou tivermos perdido o interesse, podemos ajustá-los com a prática desta atividade, que é saudável e renovadora por sua eficiência. Pode ser entendida como uma calibração preventiva. A memorização de uma história ou mito grego se ajusta a qualquer saber, bem como ao bom funcionamento do intelecto. Por óbvio, a atividade inclui uma dose alta de desafio à imaginação e à memória e, por cima, as etapas desse exercício repetem-se em qualquer outro estudo.
Depois, não há contraindicação em conhecer a mitologia greco-latina. Os mitos, por sua vez, são a base da literatura ocidental. Tanto a língua quanto à literatura greco-latina está permeada de elementos dessas narrativas primordiais. Além de tudo, tratam-se de histórias fantásticas, que estimulam a nossa capacidade criativa das menores às maiores unidades que as constituem. Não é tão simples, por exemplo, imaginar uma quimera como uma esfinge, com corpo de leão, cabeça humana e seios e, quanto mais, imaginar que estamos diante de alguma dessas, como esteve Édipo ao tentar decifrar o enigma do monstro.
Já num tempo muito remoto, os mitos e as lendas eram caros às primeiras civilizações. Além de assunto sério, eram narrativas enigmáticas, divertidas e envolventes. Pois integraram a imaginação popular por virtude própria, sem precisarem de qualquer imposição forçada que as mantivesse entre os povos por tantos séculos. Na verdade, a humanidade nunca deixará o interesse por esse tipo de relato. Não somos capazes de imaginar Hollywood sem filmes de ficção que contenham elementos de fantasia. São também um meio que possuímos para lembrar da realidade invisível na qual estamos imersos.
Mas, então, como fazer o bendito exercício?
É fácil. Tomamos um bom texto mitológico em mãos, que seja minimamente confiável, lemos, e tentamos contá-lo por completo com cada detalhe. Atenção! Não é necessário decorar o texto. Por último, devemos “escondê-lo”, ou fechar o livro, somente quando pudermos contar a história com todos os detalhes. Com a história bem guardada, vem a parte divertida. Agora é o momento de vivê-la como se fôssemos o próprio protagonista. Se queremos memorizar um episódio dos trabalhos de Hércules, como aquele da Hidra, por exemplo, devemos fechar os olhos e imaginar que estamos lá no pântano de Lerna decepando as cabeças do monstro. Devemos reviver os momentos de tensão, alegria ou tristeza pelos quais o herói passou. É normal que, durante o exercício, nos apareçam algumas dúvidas ou questões. E, pode acreditar, serão muito pertinentes. Por fim, obtemos uma nova narrativa para o nosso repertório interno. Poderemos revivê-la a qualquer instante, se realmente a memorizamos. Além disso, o conhecimento de uma boa história nos ajuda a compreender outras mil e ilustra nossas leituras. Trata-se, portanto, de um exercício muito fértil, cujos frutos serão inúmeros e curarão qualquer um do desânimo do qual estamos falando aqui.